11.11.03


Dia quatro de outubro de dois mil e um, uma Maria Cecilia foi embora.

Amanhecendo, umas cinco horas. Acordei com um susto e recebi a notícia. Ligaram do hospital, ela morreu. Levantei, abracei os que ficaram.

Fui me vestir, roupa branca. Precisava de alguma coisa dela perto de mim durante aquele que seria o dia mais longo da minha vida. Peguei um colar que ela fez. Nunca mais ele saiu de perto de mim, meu terço.

Ligações, choro. Mas sem desespero. Escolhi a roupa que ia vesti-la, branca como a minha. Parti pro hospital.

Naquela quinta-feira fez sol mas não calor. O hospital estava em festa, dia de São Francisco de Assis. Chegando, recebi flores e adesivos de Paz e Bem, que ficaram presos na camisa durante todo o dia e estão guardados até hoje.

Todas as providências de ordem prática foram tomadas. Voltei pra casa e avisei pessoas. Liguei pros amigos, pros parentes. Fui pro cemitério, aquele lugar que todo mundo evita sequer pensar que existe.

Uma tarde inteira de velório. Durante, eu conversei, abracei e fui abraçada, sorri pras pessoas que fizeram questão de ir até lá homenageá-la. No enterro eu não fui, já tinha me despedido, guardei uma pétala de flor que foi junto com ela.

Quando acabou já era início de noite. Ofereceram casas pra eu dormir aquela noite, mas eu não quis. Meu lugar era na minha casa, casa dela, nossa casa. Insisti pra que toda a família fosse pra casa dela, nossa casa, reunir-se e enfrentar a primeira noite sem que ela existisse.

Tios, primos, avó. Todos ficaram e depois foram embora pras suas casas. E nunca mais a vida foi igual.

Domingo de Páscoa deste ano. Meio da tarde, durante o almoço, o telefone tocou, sempre ele. Era a outra filha dela. Fui avisada que o bebê ia nascer. Não consegui mais raciocinar direito, tinha que correr pra chegar a tempo, de Teresópolis até Botafogo.

Arrumei a mala, peguei o ônibus. Na Avenida Brasil, mais uma vez o telefone me deu a notícia: ela nasceu! Corri mais ainda, gastei uma fortuna num táxi clandestino para conhecê-la no mesmo dia.

Consegui. A primeira vez que eu a vi ela estava na incubadora, chutando o ar e apertando a testa com toda a força. Chorei muito, de pura alegria e alívio.

Dia vinte de abril de dois mil e três, uma outra Maria Cecilia chegou.

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